Ele morou durante 6 meses com um potencial eleitor do Bolsonaro: relato de um leitor
O texto que se seguirá, segue transcrevendo tão fiel quanto possível o relato de um leitor anônimo que nos enviou seu depoimento sobre a vivência descrita no título. Qualquer semelhança com as vidas reais pode não ser mera coincidência.
Sim, em tempos nos quais as redes sociais duvidam do incrivelmente o óbvio (o fato de que o nazismo é um movimento de ultra direita), o leitor que nos procurou relata a convivência com um fascista incorrigível (esperamos que não seja). Nossa testemunha deixa claro que o fascista não sabia que era fascista. Aliás, o Ministério da Saúde, por meio do depoimento desse sobrevivente, adverte que o tal fascista nem sabia as origens do fascismo ou o que ele significava. Bem, segue o relato, em nossa reprodução da história contada, à moda do redator e de suas firulas portugesísticas.
"Morei com um possível apoiador do Jair Bolsonaro. Um fascista. Em primeiro lugar, não sei bem se ele era um Bolsominion, como dizem por aí. Sei que era do tipo que dizia que tinhamos que matar todos os políticos. Mas até aí, "tudo bem", já que nos tempos temerosos, esse é bem o desejo idealizado de muitos brasileiros. "Que se exploda então o Congresso, que troquem todos os parlamentares, que façam um plebiscito para decidir pela volta da Monarquia, ou pela inserção do parlamentarismo. Que voltem os militares ao poder. Que não seja a ditadura, mas uma intervenção militar, o que seria bem diferente, já que seria, supostamente provisório para devolver o que é do povo ao povo, pondo ordem na casa". É assim que muitos de nós pensamos num momento tão delicado da política nacional. Mas esse ex-colega de moradia, esse provável bolsominion, bem, não sei exatamente o que ele acreditava. Acho que nem ele sabia. Era o tipo de pessoa que repetia: "esse país não tem mais jeito"! Bom, isso foi até certo dia, e eu, pensando que era algo típico de qualquer um de nós diria para espairecer no final do dia (quem nunca cantou algo parecido com a música, Tô feliz, matei o presidente, do Gabriel, o pensador?)
Mas esse sujeito não. A começar por suas atitudes comigo, e com entes queridos que frequentaram a moradia em que dividíamos, vi que o tal suposto bolsominion não xingava os políticos por uma revolta sincera e até ingênua. Ele era, não um ingênuo (pois esse ainda pode ser mais facilmente conduzido pelas palavras do amor, quando o amor se aproxima primeiro). O rapaz que morou comigo era um fascista provavelmente engessado e já enraizado na ignorância. Veja bem, há dois tipos de ignorantes: o que nunca estudou na vida, mas que tem suas faculdades alargadas de tal modo que age em relação aos outros e ao mundo com tamanha humildade e fraternidade, que sequer faz sentir nos homens a sua falta de instrução letrada. Esse tem um carisma enorme, e só é chamado de ignorante porque sofre algumas e até muitas vezes o preconceito dos acadêmicos e letrados. Mas esse que é considerado ignorante pelos doutos universitários, não o é realmente. Ele aprendeu a ver na vida, cheio de carinho, demonstrando na verdade imensa sabedoria, seja em imagens, ou no suor de sua paciência com as intolerâncias do mundo. Quem nunca conheceu alguém belo assim?
Voltando ao rapaz que morou comigo, digo que era um ignorante no sentido mais forte da palavra: aquele que ignora e continuará ignorando qualquer ponto de vista que demande esforço ou dor ao pensamento. E não era o caso da figura do caipira ao qual eu aludi há pouco, pois eu acho que o caipira rejeitado pelos acadêmicos sofre com o fluxo de ideias boas que vêm à mente, ideias que não sabe expressar por meios convencionais. Mas ele pensa, é forçado a pensar e expressa sua saída da zona de conforto algumas vezes. Sim, você deve estar pensando que esse é um caipira romantizado, utópico, mas eu já conheci muita gente iletrada que materializava essa "quimera" do homem simples aberto a escutar as forças belas e amorosas da vida. Mas o rapaz que morava comigo não. O rapaz que morava comigo era, embora igualmente iletrado em relação a Ciências Humanas, tão ignorante quanto muito PHD em História, Filosofia e Sociologia ou Direito.
O rapaz com quem morei já era graduado em um curso superior ligado a cuidados ambientais. Dizia que desejava cursar até o fim uma faculdade de Geografia ou Engenharia Ambiental, e que sua tentativa de obter uma segunda graduação, que era em Biologia, não havia valido a pena, o que o fez desistir no meio do caminho.
Bem, esse rapaz que morava comigo dizia ter lido "uns dez livros na vida". Eu duvido que algum tenha sido um clássico da literatura ou algo realmente inspirador no que diz respeito a relacionamentos interpessoais ou direitos humanos. E ele tinha ideias tão sólidas e indestrutíveis quanto muitos intelectuais que conhecemos. Achava que era assim mesmo, que tinha muito experiência de vida e etc. Não utilizava um rol de autores citados pelo currículo lattes, mas qualquer outra, apelando para o senso comum, obviamente, e para a presumida vivência, apesar de seus recém completados 30 anos.
Ele não era alguém que lia nada de muito substancial além de notícias do portal G1 da Globo ou programas sobre animais da Savana Africana, puro Animal Planet no Youtube (No apartamento que dividíamos, não havia TV).
Comecei a notar que ele era realmente descuidado - e próximo de alguns acadêmicos - quando ele passou a reforçar certas noções e apresentar sintomas de quem seguia uma única escola. No entanto, se um acadêmico tosco legitimava tudo a partir de uma corrente (por exemplo, comunista é assassino, preguiçoso e messiânico), o meu ex-colega de moradia justificava tudo por invocado e presumido senso de bondade (ou pelo que já sofreu na vida em situação X ou Y).
Ora bolas, esse sujeito que morou comigo não entendeu que alguém pode ter 50 ou 60 anos e não ter vivido metade das coisas ruins ou fortes, ou mesmo maravilhosas que um rapaz de 18 viveu? Até onde sei que acredito, velho ou novo, o que podemos passar é inspiração, ponto de vista. E os pontos de vista sobre as várias cidades é que vão moldando mais ou menos nosso caminho. A questão é que não se pode generalizar, retirar de um particular a regra certa para tudo em todos os casos semelhantes. E é isso que o rapaz que morava comigo fez, tão semelhantemente aos teóricos de pátio de universidade que deduzem de um pensador de séculos atrás a resposta para os nossos problemas atuais. E ter responsabilidade e bom senso não é isso, mas saber que nenhum ser humano é uma regrinha matemática indissolúvel. É isso que faz um fascista ser fascista.
No caso do rapaz que morou comigo, percebi que era um totalitário em potencial a partir do momento em que conversei com ele sobre ideias correntes do nosso tempo. Falei a ele sobre a questão de cotas, e ouvia (ah, sou contra, esse povo vagabundo). O mesmo se deu quando toquei no assunto dos direitos indígenas. Quando toquei nesse ponto, o rapaz, certo dia, me disse: "Índio tem tudo que morrer, é tudo vagabundo que recebe bolsa família ou pega o dinheiro e vai gastar com pinga e puta enquanto deixa a mulher passando fome".
Ora, senhor rapaz que morou comigo, será que porque ele é índio e errou, todo índio errará? Foi aí que discuti com ele a questão que cercava a escrota palestra de Bolsonaro, quando o deputado, que nunca aprovou um projeto e ainda quer ser presidente, disse: "Temos que acabar com Quilombolas e Índios". Ora, ora, senhor rapaz que morou comigo, o que achas? E ele disse: "Acho que esse povo preto é um atraso, preto e viado, esses viados pra mim tinham tudo que morrer". E continuou: "lébisca (sic), lébisca (sic) eu não tenho nada contra, mas viado que gosta de dar o cu, esses se me elogiarem e me acharem bonito, me cantarem, eu desço a porrada".
Bem, esse meu ex-colega fascista, sequer sabia que o era, sequer sabia que suas faculdades se atrofiavam a cada vez que dizia algo assim. Talvez ele tivesse um desejo secreto por algum homem, e talvez fosse assim porque foi rejeitado por um ente próximo na infância. Mas a questão é que ele era assim. Devo eu sentir pena, raiva? Não, devo perdoar, manter distância e orar por sua alma, já que acredito que todo o conhecimento dos livros, se usado para o bem, pouco valeria para a cabeça que não quer mudar, ou melhor, que foi profundamente moldar.
Mas sim, o relato eu posso fazer. E o faço justamente porque, no decorrer dos seis meses com esse cidadão comum, descobri o quão duro era ter que entrar para dentro do quarto e trancar a porta para não ter que socializar com alguém que dividia o aluguel comigo. E olha, eu tenho minha namorada. E olha, ela me visitava sempre aos finais de semana. Sim, era fato que no começo (sempre é assim), a gente tenta socializar mais com o inquilino, ser gentil, prestativo. Eu fui indicado para morar no apartamento do sujeito por alguém muito próximo a mim, e que, não tenho dúvidas, é uma pessoa maravilhosa, alguém que indicou uma vaga na "república" do rapaz por acreditar que seria bom, e que ele era um dos mais tranquilos. Embora acredite que esse amigo que me indicou a vaga não conheça o rapaz como ele se apresentou a mim, nunca me esquecerei disso, e serei eternamente grato ao amigo por ter me indicado. Por mais excruciante que tenha sido a experiência, foi de grande aprendizado e me fez crescer deveras.
Continuando, o fato é que o rapaz, que no começo dizia a todos que eu era carente porque saía do quarto quando ele chegava, apenas começou a notar que eu me distanciava, quando eu chegava em casa às 22 horas da noite para não ter de vê-lo acordado. E aí ele me perguntava se eu estava triste, sequer sabendo às claras o motivo do meu distanciamento.
Mas a gota d'água foi o modo como percebi o quanto esse pessoal fascista é dissimulado em seu ímpeto de "gente boa". Depois de alguns meses levando minha namorada para dormir no imóvel que dividíamos, ele começou a fazer caras e bocas para ela. Dizia que era porque ela discutia comigo quando a pia estava suja, que ela me mandava, e que se fosse com ele, mulher nenhum alteraria a voz, porque mulher que alterasse a voz com ele, ele jogaria do alto de um terceiro andar. E ainda chegou a dizer na cara da minha namorada, e na minha frente, que ela só alterava a voz comigo porque eu deixava.
A partir daí, eu e minha companheira começamos a ver uma prática feminicida gravíssima. O sujeito, não bastasse o fato de que chegava de vez em quando com alguma garota do Tinder com quem passava 5 minutos dentro do quarto, se achava o dono do mundo. Dizia que era muito bom, que era o pegador, o cheiroso, e depois passava a falar mal de todas as mulheres com quem se relacionou. Dizia que uma era ruim de cama, que outra era "puta" porque era sexualmente uma mulher proativa. Ele até zombou da mesma porque esta não consertou o próprio carro estragado no mecânico, até porque "mulher, né"? E passou a ter a cara de pau de ligar para familiares da minha própria namorada para falar mal de nós dois, ao mesmo tempo em que dizia "não gostar de conversa atravessada". Não bastasse isso, desmerecia completamente as limpezas na casa e o almoço que minha namorada fazia enquanto passava os finais de semana lá. O rapaz dizia que a comida estava ruim, que não gostava de comida barata, e que a sorte dele era que comia fora de casa todos os dias com seu ticket alimentação, recebido da empresa. Só que não, era tudo "migué" dele. Na verdade, o rapaz apenas almoçava na rua, jantando praticamente todos os dias na moradia que dividíamos. Não suficiente, ele ainda usava o fogão que era propriedade da minha namorada, mulher que por sinal ainda trazia quilos de horti-fruti para me ajudar, todo mês. O rapaz, além de referir-se a ela como "a coisa lá", a "sua namorada", dizia ganhar muito bem, apesar de que nunca pagou um centavo por todo esse cestão básico.
E o que aconteceu, no final? Bem, no final, quando eu fui embora, ele fechou a cara com o semblante de uma tempestade, disse que eu estava indo embora porque minha namorada mandou. Além disso, descobri pouco tempo antes que ele já tinha sido preso por estelionato no Estado do Tocantins (ele me disse que foi por um dia, por engano). Ou seja, 171, mentiroso, migué mesmo.
Sinceramente, pensei que seria bom se tivéssemos dado queixa numa Maria da Penha ou por danos morais e materiais. Mas no fim, o melhor foi deixar pra lá, seguir em frente e longe de gente assim.Deixe ele lá, esperando um novo colega para que usufruísse dos benefícios. Fui cuidar dos meus gastos por conta própria, em paz. A vida nos ensina cada vez mais a manter distância o mais rápido possível, pois, se não podemos reconhecer esses ignorantes fascistas de primeira, um tombo atrás do outro serve de auxílio para muita gente de coração puro que cai na opressão de machos escrotos como esse. O Brasil é o país dos que dizem: eu sou ignorante e bato no peito por isso. Gente de boa que podia estar até matando, estuprando, agredindo fisicamente, mas está só com a bíblia na cabeceira, ameaçando e depreciando, em "pequenos" atos todos os dias, a força, a vida e a inteligência da mulher".
Esse foi o relato de um leitor. Quer contar seu caso, desabafar a opressão anonimamente? Mande e-mail para Acendaofarol741@gmail.com que a gente publica. Até a próxima, pessoal.


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