É tudo ou nada, precisamos decidir: eram os gregos cantores de Sertanejo e Funk?





Acordei pensando naquela música Baile de Favela. Decidi escrever sobre algumas questões hereditárias da música. Eca! Escrever sobre essa porcaria de Funk pornográfico financiado provavelmente pelo tráfico como um Proibidão?
Yes! e No, Non estoy matutando sobre a letra da música em si, ao menos no início. Mas é que essa letra, que denota um ardor sexual, mas de uma maneira xula e vulgar, me faz pensar num tempo no qual as pessoas precisavam se libertar da dor de alguma forma, mesmo que no bestial. E a música, tosca, retardada, era isso. Nietzsche dizia em sua obra O Nascimento da Tragédia, que o grego antigo tinha uma vida sofrida, trágica, cheia de agruras. E daí, quem não tem? Eu, você, ônibus lotado, oncinha pintada, zebrinha listrada, coelhinho peludo, quase ninguém tem mala de 51 milhões ou loft em Paris para sofrer em paz. Quase ninguém. Exceto a mulher do Joesley. Nós somos gados. E gados, quando fogem do pasto, só tem uma saída às vezes: criar. Ah, mas a saída era criar um Proibidão ruim dizendo que "vai voltar com a xota ardendo"? Não, esquece a letra em si. Mas foca na Grécia antiga. 


Tinha um cara lá chamado Eurípedes, que escreveu uma peça chamada As Bacantes. E aí, ali, você tem a energia Dionisíaca, que é o lance do cara que vai "pra balada", mergulha na natureza primordial, que podemos chamar de atática. Dionísio, Bacantes, Baco, deus do vinho, da libertinagem, Baco, Bacanal. Em festa de minhoca cega, macarrão é suruba. Então o jeito era resfolegar, braços e pernas enrolados, corpos entremeados quase religiosamente uns nos outros. Naquela hora, nada de certinhos resplandecentes, à luz do deus Apolo. Só Baco, baco do balacobaco. Mudamos tanto assim? Vamos para festas como Festeja 2017, Festeja Minas, "com Bruno e Barretto, as luzes dionisíacas piscando, Jukebox tocando, Amado Batista e o pau tá quebrando". Ir trabalhar amanhã é o cacete! E o que a música do Funk Proibidão tem a ver com as ressonâncias gregas? Bom, dos gregos a nossa música herdou os chamados modos gregos, música modal, modo Jônico, Dórico (não o João da Caxemere), forma de organizar o som na qual as notas não giravam em torno de uma nota central. Esses modos chegaram até a Idade Média de outra forma, bem diferente do que eram lá na terra do Sócrates e do Eurípedes. E aí, os caras, como diria o Nietzsche, criavam pra encobrir a porra toda da dor. Por que não? Dá uma conferida na comparação das melodias das músicas nos vídeos a seguir. Um pesquisador apontou bem esse legado. O ser humano, se formos pensar pelo lado epistemológico, ou seja, do conhecimento, ainda sente muitas das mesmas dores cerebrais, por assim dizer. O Homo Otarius da cidade ainda tem muitíssimas coisas do Homo Sapiens de 2500 a.c, isto é, se separarmos o cérebro da sociedade. Ainda queremos aquele momento de escape, ainda ritualizamos ou sacralizamos a sociedade, a vida, o jogo de futebol, o beisebol, o fim de semana. São as formas elementares da vida religiosa, já diria um sociólogo como Durkheim. Queremos, por um segundo que seja, perder a consciência para longe da racionalidade opressora ou da incômoda necessidade de resolver problemas. Máscaras em festas antigas, gozos sem rostos, tapa na bunda, na cara, puxão de cabelo, na cama no chão e no banheiro. É muita dor. É a dor da pobreza, é a do emprego massacrante, a dor existencial que nem o sujeito sabe que existe em si. 
É preciso superar essa paixão que te deixa na sofrência. Paixão por homem, mulher? Mas espere, não é só isso? Falo de paixões em sentido geral, paixão por uma ideia, um sonho que não veio e que volta a atormentar todos os dias. Como se supera e se segue em frente. Hollywood trabalha isso tanto quanto um grego, se você deixar de ser cri-cri, claro. E Espinosa, um judeu português-holandês das antigas, também. Espinosa dizia que "só se supera uma paixão com uma paixão mais forte". A letra de Boate Azul também (A dor do amor, é com outro amor que a gente cura). E aí, meu amigo, o sujeito vai na Boate Azul, na Vila Mimosa, no Sobe e Desce de BH, no Proibidão. Ok, pra nós letrados, é tosco o jeito criado pelo caminhoneiro ou pelo machista punheteiro da Classe C de curar sua dor: ele se retorce na terra de um jeito não muito polido. Mas o que seria um jeito com classe de viver o sonho Dionisíaco de se perder em uma noite? O certo seria se perder no bar e nos puteiros como se fossem uma realidade paralela, tal como retrata Júlio Cortázar num conto chamado o Outro Céu? Ou um terror sexual que é a fuga de uma relação monótona entre Nicole Kidman e Tom Cruise, em De Olhos Bem Fechados, de Kubrick? 
De fato, precisamos da fantasia. Alguns tentam acreditar que o pé deve sempre estar no chão, que mundos não se misturam e que se você o fizer, é sublimação, é dar voltas ao redor dos seus medos, que todo medo é superável de maneira chata, dura. Para esses certinhos intelectuais, flertar com o devaneio dionisíaco para resolver suas tramas internas é quase uma heresia. Eu me lembro de um filósofo chamado Leibniz, que dizia que dois mundos não podem se misturar de jeito algum. E me lembro de zoar Chitãozinho e Xororó, cantando "Como é que eu posso vomitar batata, se eu comi repolho"?
Ainda gosto do Bukowski, que mandava esse pessoal certinho demais se foder, pois que o rapaz mergulhava no submundo, via o melhor e o pior do homem. Esses poetas românticos de sempre, que não acreditam que a dor é sempre princípio de morte. Eles aceitavam e sabiam conviver com ela, criavam por cima e junto com a dor, sem medo e sem a culpa injetada pela Psicologia das autoajudas que dizem: "seja feliz, feliz, feliz agora e em linha reta", como se felicidade fosse algo unidimensional.
Tire onda com o preciosismo dos escritores caretas demais, diga sim que O que é que eu vou fazer com essa tal liberdade foi escrita pelo Sartre e não pelo Alexandre Pires. Eu não vejo mais Sócrates bebendo cicuta sem morrer dizendo: "Menina Veneno, o mundo é pequeno demais pra nós dois". Sócrates, você amava demais a própria razão, queria despertar o tempo todo o pensamento nos homens, na juventude. Eu tento te entender. Eu não sou do Funk, nem quero ser uma minhoquinha que rebola no chão sujo todos os dias. Você, Sócrates vinha com esse migué de que "sempre teve consciência da própria ignorância", pagando de ignorante. A história joga seus pedaços repetidamente em nós! Quisera você, nem ter consciência? Tu és um falso modesto, mas nem toda noite no meu quarto só dá você: porque se Deus não joga dados, como diria o Einstein, ele prefere uma referência do Capitão América, dos antigos ou do Zezé di Camargo desafinando a fita do Bryan Adams. É o homem vendendo o calo na voz como potência do zombaria libertadora. As progressões dos acordes de hoje são simples, não tão diferentes daquelas que tiravam a voz racional que doía demais! Cara ou coroa, meu amigo. Vamos jogar?




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